Por Flávia Carvalho Ribeiro, Colunista de Plurale
Marcas estão arriscando e muito o seu capital reputacional no relacionamento com clientes. Sabe o porquê? Apesar dos grandes gurus da área de istração e marketing já terem alertado para o cuidado das experiências da #jornada do cliente, ainda existem muitas empresas rasgando os protocolos de #compliance e governança ou ignorando-os. Do que adianta ter uma política corporativa e um código de conduta e ética maravilhosos se eles não conversam com os canais de contato com o consumidor? Seus funcionários conduzem bem ou mal os relacionamentos com clientes, fornecedores, governo, etc? Neste contexto, sua empresa está preparada para um boicote ou cancelamento?
A atriz Ingrid Guimarães (foto acima) expôs hoje em suas redes sociais um caso que já rendeu uma boa gestão de crise para a agência que atende a companhia #AmericanAirlines. Segundo o relato da atriz, ela foi vítima de um constrangimento enorme ao retornar dos Estados Unidos para o Brasil, por se negar em trocar de assento de uma classe econômica para uma classe econômica. Ingrid disse que foi coagida pelos funcionários, que afirmaram que ela nunca mais viajaria com a American Airlines. O vídeo postado hoje no Instagram da atriz, como um desabafo do que sofreu, já tem mais de 27 mil curtidas e comentários e (um comentário que fiz já tem quase 600 curtidas).
Como estudiosa do tema #boicote e #cancelamento e profissional de Comunicação Corporativa, #Marketing e #Sustentabilidade, compartilho insights que, com certeza, serão temas de treinamentos dos funcionários da American Airlines e, provavelmente, vão gerar mudanças na forma de resolver conflitos deste tipo.
1- Quando estudamos o conceito de ativismo digital, observamos o quão inapta e iva está a sociedade brasileira. Nós mal protestamos nas ruas, mas o ativismo de sofá também está muito longe de alcançar resultados efetivos. Somos mais de 200 milhões de brasileiros. Se uma marca soubesse o poder da cultura do cancelamento ou de um boicote, ela pensaria algumas vezes antes de incluir gerenciamento de crises no risco do negócio. Temos uma ferramenta poderosa para usufruir que é DEIXAR de CONSUMIR e NÃO RECOMENDAR a compra de produtos ou serviços. Simples assim. Por que não o fazemos? Pelo preço do produto? Porque não aprendemos que se uma marca tem um posicionamento responsável talvez o seu preço seja maior, mas o valor do que entrega também. Temos feitos escolhas de consumo consciente? Estamos comprando de marcas que estão comprometidas com Sustentabilidade? Boicote ou cancelamento só existem com atitudes firmes da sociedade.
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2- Qual o critério para escolha de ageiros que são abordados para mudança de assentos em qualquer voo? Segundo a atriz, um brasileiro da equipe de comissários havia informado que ser mulher (desacompanhada) estaria suscetível ao convite antes de um homem, uma família, etc. Gostaria de saber o que a política da American Airlines diz a respeito. Particularmente, eu e muitos de vocês devem ter sido empáticos e já adotaram uma postura colaborativa em diversas ocasiões, mas é um desejo legítimo ter a mesma categoria paga nesta troca. Ninguém tem a obrigação de abrir mão do que adquiriu porque a empresa teve uma cadeira da categoria executiva quebrada. A companhia aérea pode solicitar uma mudança de assento, desde que justificada por uma questão de #segurança. O ageiro deve ser informado do motivo, especialmente se comprou um assento específico. Em caso de situação abusiva, há direito ao ressarcimento.
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3- E sobre o valor justo da recompensa pelos abusos que sofremos como consumidores em diversas situações? Será que US$ 300 dólares resolve a situação para a atriz ou outro cidadão? Será que o dinheiro resolve tudo? Será que quando conduziram o diálogo pensaram na possibilidade da repercussão do caso por ela ser uma pessoa pública? Não que as pessoas que não são celebridades devam ser tratadas diferentes, mas considerar o risco de uma pessoa pública dar visibilidade ao problema de forma massiva em redes sociais é extremamente necessário. Há grupos sociais e indivíduos que procuram militar pelo bem-estar coletivo também. Não é apenas sobre o dano gerado para uma pessoa, seja celebridade ou não. É sobre como isso pode impactar milhares de pessoas.
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4- A resposta na gestão de uma crise precisa ser rápida. Ainda não encontrei o posicionamento da empresa. Ao pesquisar pelo nome American Airlines no Google, o primeiro anúncio é “Prepare-se para decolar rumo ao status” (oi, qual status? Inferior ao que comprei?) e “Maior flexibilidade de viagem”. Será que esses discursos publicitários conversam com a experiência do cliente na prática? Quantos casos ocorrem ao longo do ano nas companhias aéreas e que não são divulgados?
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Este é um caso que envolve uma relação de consumo, mas há casos que envolvem causas. O desejo de punir pessoas ou sistemas não éticos vem desde os primórdios. Historicamente, a humilhação pública, o exílio e sentenças de morte só começaram a cair em desuso no século 18, com o Iluminismo. Ao surgir o conceito de prisão, pensava-se que seria possível reeducar o cidadão. No entanto, com a falta de punição social dada pelo Estado em muitos casos, a indignação de massas insatisfeitas e revoltadas gera os confrontos também nas redes sociais e o ato do cancelamento a a ser sintomático neste mundo panóptico que pessoas #hiperconectadas experienciam.
A chamada #cultura do cancelamento teve seu alicerce na contracultura dos anos 1960. Nas décadas posteriores, muitas manifestações em universidades começaram a surgir, como o protesto político no campus da Universidade de Stanford com 500 pessoas em 1987 (liderado por Jesse Jackson) que retratavam a insatisfação dos estudantes em função de questões ideológicas e políticas. Os movimentos sociais e políticos nas décadas de 1970 e 1980 foram transferidos das ruas para as redes sociais a partir dos anos 1990, quando escândalos envolvendo grandes corporações como a Nike - foram denunciados por exploração do trabalho infantil na Ásia e ganharam as páginas na grande mídia.
O que aprendemos na última década? Continuamos comprando produtos dessas marcas ou elas se retrataram? O estudo “Business of Cancel Culture 2021, divulgado em fevereiro de 2021 pela agência Porter Novelli, afirma que um em cada três (36%) americanos alegam que cancelaram uma marca em 2020. E nós no Brasil? O que mudou nos últimos anos? Quantos de nós entra no site de uma empresa e lê o seu #relatório de sustentabilidade? Acompanhamos as ações dos fundos de investimento e as oscilações do mercado em função destes escândalos? Temos a escolha de comprar produtos de outras marcas que estão preocupadas com a excelência do atendimento do cliente ou com a qualidade de relacionamento com fornecedores? Tá na hora de usarmos o poder que temos nas mãos para ensinar as empresas a agirem de forma ética e responsável e revisitarem as suas políticas.
(*) Flávia Ribeiro é jornalista, advogada, consultora em Comunicação, Marketing e Sustentabilidade, e colunista de Plurale.